terça-feira, 28 de maio de 2013

A greve de 2013, vista do asfalto

Em 24 de maio último, acabou a greve mais longa da qual eu já participei.
Sou professora de Arte em readaptação funcional na rede de ensino da cidade de São Paulo, representante sindical na escola em que trabalho e conselheira do sindicato que esteve em greve, o Sinpeem. Votei no atual prefeito. E vivi as angústias desta condição.
Lá pelo meio da greve, me deu vontade de escrever uma análise longa desta greve idem, mas sem grandes pretensões. Uma análise feita não do alto do carro de som, mas do nível do asfalto - o contato com gente da direção do sindicato e do partido que está no governo municipal não muda o fato de eu, no fim das contas, ser base.

O tempo: protelações dos dois lados

Vi ambos os lados do impasse que levou à greve perderem o timing (capacidade de agir no momento correto da forma correta).
Do lado do sindicato, uma protelação constante do início da campanha salarial deste ano, que me dava a impressão de que havia uma tentativa de pré-negociação sem acompanhamento da categoria e que foi malsucedida. Se é mesmo como percebi, quem a tentou não aprendeu nada com a tramitação do Projeto de Lei 310/2012 que, uma vez na Câmara, devia ter sido acompanhado pela categoria em pesso, tanto nas audiências públicas quanto nas votações, para acelerar a tramitação e ser sancionado pela gestão que assumiu o acordo. Os adiamentos sucessivos do início da campanha salarial deste ano contribuíram muito para a deflagração de uma greve na primeira assembleia de rua do ano, já que ela foi feita em 29 de abril (antes disso, houve um ato sem paralisação em 24 de abril). Esperamos muito tempo para um ato com paralisação - a entrega da pauta de reivindicações se deu em 25 de março (!). Propostas houveram para iniciar a campanha antes, mas não eram aprovadas: assembleia para fechar a pauta de reivindicações em 6 de março, que acabou ficando para 9 de março; ato com paralisação e assembleia em 14 de março, que não passou na assembleia de 9/3; ato de 24 de abril com paralisação, que acabou sendo aprovado e feito sem paralisação.
E do lado da prefeitura, também foi nítida a protelação. A abertura do SINP (Sistema de Negociação Permanente) não impedia de modo algum que SME ou qualquer outra secretaria negociasse em paralelo com os sindicatos condições de trabalho, especialmente aquelas cuja solução implicam pouco ou nenhum impacto orçamentário (nesse meio tempo, tivemos o veto parcial do PL310 e a portaria das turmas mistas na Educação Infantil para atender demanda, iniciativas que não foram discutidas com sindicato nenhum). Já poderíamos ter avançado na discussão dos problemas de atribuição de aula que serão gerados pela implantação do Ensino Fundamental de nove anos a partir de 2014, da portaria das salas mistas na Educação Infantil que visa tão-somente atendimento de demanda sem atentar à qualidade do atendimento, ensino e aprendizagem... A prefeitura tentou vencer a categoria pelo cansaço, e com isso pode ter feito com que a categoria, ou pelo menos parte dela, tenha se voltado contra esta gestão. A prefeitura talvez tenha tentado neutralizar uma pessoa dentro do sindicato - à qual eu faço oposição, diga-se de passagem -, por questões partidárias, mas para fazer isto se indispôs com uma categoria inteira. Se foi o que me pareceu, pareceu-me mau negócio.

A base ditando o ritmo da greve

Muita gente não esperava de fato uma greve para este ano (inclusive eu, admito), por conta de como a greve de 2012 terminou, de modo altamente contestável - era de se esperar que a categoria resistisse a fazer outra greve este ano. Mas não foi o que aconteceu.
No dia 29 de abril, a assembleia recebeu uma proposta bastante insatisfatória da prefeitura, e tínhamos três propostas de data pra começar a greve: no dia seguinte, 30 de abril; no dia 8 de maio (proposta da direção do sindicato) e a proposta mais votada, 3 de maio, apresentada por gente da base.
Foi corrido, mas muitos de nós fizemos o que precisava ser feito: discutir com os colegas nas escolas, avisar pais e alunos, ir às assembleias, organizar comandos de greve pra visitar escolas que não aderiram ao movimento ou aderiram parcialmente e trazê-las, pela argumentação, ao movimento. Nas assembleias seguintes (8, 14, 17, 21 e 24 de maio), sempre houve presença massiva. A adesão à greve se mostrava alta e constante, com poucos retornos. Em todas as assembléias, tirando a de 24 de maio, votava-se em peso, de modo inequívoco, pela continuidade da greve - inclusive no dia 21, diante da "novidade" apresentada pela prefeitura: o corte do ponto.

O bode na sala

Em minha modesta opinião, o corte do ponto foi uma provocação desnecessária por parte da prefeitura, assim como o anúncio do "aumento" - que sabemos ser reposição salarial e incorporação do piso para a maioria dos servidores, baseado na Lei 15.215/2010 - e a inclusão desta reposição já acordada no Projeto de Lei 155/2013 (a lei de 2010 é autoaplicável). Se a intenção era deixar a categoria toda com medo a ponto de ela voltar imediatamente ao trabalho, não funcionou. Ao contrário, acabou deixando a categoria indignada.
Mas se o ponto fosse cortado, a prefeitura acabaria criando uma incerteza quanto ao cumprimento da quantidade mínima de dias letivos prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação - sem dizer que, ao cortar o ponto, ela estaria contrariando o direito de greve, que é constitucional, pois nos negaria o salário (verba alimentar). Até o Supremo Tribunal Federal já se posicionou contra esta prática.
Como bem disse uma colega da minha escola, a prefeitura colocou o bode na sala, não só pra nos assustar, mas pra nos fazer perder o foco de nossas reivindicações - não duvido disso, mas não dá pra deixar de defender o próprio direito de greve, assim como não deixamos de defendê-lo quando, no protocolo de negociação, a prefeitura tentou condicionar o atendimento de reivindicações salariais a um compromisso dos sindicatos de não se mobilizarem até o final da atual gestão.

Fim de greve, com declaração de voto

Chegamos ao fim da greve, na última sexta-feira, 24 de maio de 2013 - e aqui faço minha declaração de voto. Declaração de voto é feita quando o votante se abstém. E eu me abstive.
Se, por um lado, a última proposta apresentada pela prefeitura não era lá muito diferente das propostas anteriores, por outro lado, sinceramente, não sei se continuaríamos a sustentar esta greve por mais de 23 dias, e não digo isso pela ameaça do corte de ponto. Quando uma assembleia decide pelo fim da greve sem rachar, por mais que haja uma manobra retórica lá em cima do caminhão, não dá pra dizer que a assembleia simplesmente foi levada no bico. A assembleia quis parar desta vez, e demonstrou claramente isto.
Em 2012, tivemos uma situação contrária: a assembléia rachou, e deu margem para manobra do resultado. Este ano, a categoria deixou patente que não iria continuar. Vinte e três dias, gente. Não é pouca coisa manter esta categoria em greve por vinte e três dias - quem costuma fazer comando de greve, sabe. Seria bem pior a assembleia votar pela continuidade da greve na sexta e, na segunda-feira seguinte, voltar pra escola. Poderia virar greve de vanguarda, aquela em que só militante participa. Se a prefeitura resistiu tanto a uma greve massiva, por que ela iria ceder a uma greve de vanguarda?
Credito a decisão por suspender a greve a uma postura pragmática de quem estava na assembleia. Acreditem, a categoria foi sincera consigo mesma. Não cabe aqui comparar uma greve de professores municipais, cuja renda vem de, no máximo, dois cargos acumulados na mesma rede ou em outras redes  - notadamente a rede estadual, que encerrou sua greve duas semanas antes de nós - com, por exemplo, a greve de 2012 dos professores das universidades federais, que trabalham em regime de dedicação exclusiva, mas tem outras fontes de renda além das aulas, como palestras e consultorias (a propósito, eles também foram ameaçados com o corte do ponto e só voltaram quando assim decidiram). Pra fazer uma greve mais longa que esta, vamos precisar de muito mais conscientização política, bem como de estratégias pra não dependermos tanto do salário do período da greve, mas acredito que, em algum momento futuro, possamos fazê-la.

Implicações futuras

Vamos conversar sobre os chamados "ganhos invisíveis" da greve - aqueles que nos permitem continuar reivindicando. Um deles é a diminuição do medo da categoria de fazer greve, que pode ser creditado ao ingresso de novos servidores, mas não só. Os veteranos estão percebendo também que, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, nenhum prefeito pode mais fazer o que Jânio Quadros fez em 1987, a exonerar grevistas (que, lembremos, foram anistiados pela Erundina). Enfim, se em 2006 terminamos a greve porque no alto do caminhão foi evocado o fantasma do Jânio, hoje este fantasma não assusta mais, está morto e enterrado. E quando perdemos o medo da greve, ganhamos força para continuar lutando em outras ocasiões, mesmo quando suspendemos o movimento.
Por incrível que pareça, a duração desta greve também é um "ganho invisível": sim, eu preferia que a prefeitura tivesse apostado menos no desgaste do movimento e apresentasse propostas mais substanciais em menor tempo, mas gente, vinte e três dias em greve, com adesão de 60 a 70%, segundo o sindicato, não é pouca coisa, especialmente considerando todos os obstáculos, problemas pessoais de cada um etc. Mas a gente tem que pensar como se preparar e preparar o sindicato para as próximas campanhas salariais.
Da parte do sindicato, é preciso ter subsedes, pra facilitar a organização regional - inclusive para comandos de greve. Agradeço de coração às escolas que cederam seus espaços para os comandos se reunirem (na DRE Pirituba, pudemos contar com a EMEF Gabriel Prestes pelo segundo ano consecutivo), mas precisamos de uma melhor infraestrutura, sim. Ter uma base fixa de organização regional, que provoma encontros regulares ao longo do ano, faz muita diferença na hora em que mais precisamos uns dos outros.
Precisamos também não protelar o início da campanha salarial: não importa se é ou não ano de eleição para prefeito, os atos com paralisação e assembleia fazem com que a prefeitura se sinta menos confortável e acelere as negociações. Se for o caso de fazer greve, faremos, disto não tenho dúvida, mas não deixemos o primeiro ato com assembléia para o final de abril, né?
Precisamos também que dirigente sindical pare de agir como se o sindicato não fosse um coletivo, como se o time só tivesse um único craque e este fosse justamente o dono da bola. A categoria fica esperando o passe - ou melhor, ser chamada a agir, tanto na campanha salarial quanto nos seus desdobramentos, como a tramitação das leis que consolidem os acordos firmados com a prefeitura. Não repitamos o que (não) foi feito na tramitação do PL310/2012 - não basta ter vereador apoiando, ligado ou não ao sindicato, a categoria precisa participar.
Não deixaria de comentar aqui a atuação da prefeitura durante a greve. Quando postei matéria sobre o fim da greve nas redes sociais, um amigo do Google Plus me perguntou: "dá pra confiar no atual prefeito?" Minha resposta: em 2016 eu respondo. Votei no atual prefeito, mesmo sabendo que teria que enfrentá-lo em campanha salarial, porque, além de professora, sou munícipe: ando de ônibus; vou à AMA ou ao Pronto-Socorro quando fico doente; vejo o estado em que as praças se encontram, seja no centro da cidade ou no meu bairro; quero solução para problemas crônicos da cidade, como trânsito, enchentes e moradia; pago IPTU... e, claro, quero ver também soluções na área em que trabalho, a educação pública. Se o atual prefeito resolver se reeleger, eu vou avaliá-lo na condição mais ampla de munícipe e não somente na condição de servidora de escola municipal.
Mas verdade seja dita: espero mais agilidade e jogo de cintura na pasta da Educação. Não dá pra se justificar pelo pouco tempo de mandato. Os movimentos por moradia popular não se deteram por esta justificativa, mesmo tendo apoiado o atual prefeito na eleição. E nem precisa subir no carro de som do sindicato, basta apresentar e encaminhar soluções para o que reivindicamos, sem apelar para truculência, provocação ou divulgação parcial dos fatos. Eu tive a oportunidade de ver, quase ao final desta greve, um colega do comando dizer a um dirigente regional que a prefeitura não estava agindo corretamente e punha em risco a execução dos projetos que pretende implantar: "sem o pessoal do chão da escola empenhado, nada acontece". Para motivar, a prefeitura precisa demonstrar respeito pelo servidor, acima de qualquer disputa ou aliança partidária com quem quer que seja, dentro ou fora do sindicato, dentro ou fora da coligação eleita. Esta prefeitura, em relação à Educação e seus servidores, pode fazer melhor do que fez até então.